casa da lulu

sábado, setembro 17, 2005

hoje passei o dia na rural em um congresso de história, que foi ótimo. na hora do almoço houve apresentações culturais. na primeira, um grupo de alunos de uma escola pública de caxias cantava, dançava e tocava, no melhor estilo olodum e afro-reggae. foi lindo, fiquei arrepiada. aqueles adolescentes de origem humilde, belíssimos, dando o melhor de si e fazendo um espetáculo deslumbrante e emocionante, com a auto-estima lá em cima. e foi o que bastou pra ruir minhas pretensas certezas. que aquele batuque, aquela vibração é o meu coração; é o ritmo da minha alma, o que me aquece o peito. o atabaque e o surdo me deixam com vontade de chorar de tão lindos.
é que há bastante tempo tenho problemas com deus, realmente não sei se ele existe ou não. não estou falando de santos, anjos, orixás, que sei que exite algo mais, os sinto prensentes, em volta e nem sei explicar isso muito bem. estou falando de um deus supremo, magnânimo, uno, onipresente, que tudo sabe, que tudo vê, que tudo perdoa. único. não consigo acreditar nisso.
fui batizada no dia de natal. quando criança, minha mãe me colocou no catecismo e eu gostava. um pouco depois, fui estudar num colégio de freiras e os problemas começaram, era muita repressão em todos os níveis e eu não gostava da maior parte de minhas colegas de sala e nem elas de mim. era rebeldezinha mas sabia que meu problema era com o colégio, que nunca senti como meu colégio, era apenas o lugar no qual eu estudava. mas o problema não era com deus ou com a religião.
alguns anos depois, resolvi fazer crisma e tenho que abrir um parêntese para isso. nessa época estava meio perdida, tinha acabado um namoro (melhor, tinham acabado comigo) e fui num tarólogo maravilhoso, que depois perdi o telefone e não lembro mais nem o nome dele. de tudo o que falou e acertou, lembro só que ele disse que precisava desenvolver meu lado espiritual. e lembro da cara que ele fez, de que era algo realmente necessário, não foi charlatanismo como pode parecer, senti que era sério mesmo. isso já estava me incomodando de qualquer forma, e fui tentar me achar. fui algumas vezes com uma de minhas primas em centros kardecistas. uma paz, um bem-estar muito grandes. mas não sentia que ali era o meu lugar. voltei a freqüentar a igreja (e sempre que me refero à igreja leia-se igreja católica) e resolvi fazer crisma. entrei em uma turma para adultos, só um semestre de aulas, já estava com uns 19/ 20 anos. nunca me senti muito confortável em me confessar e nos dias que antecederam à crisma me confessei duas vezes: a primeira com um monge que não conhecia no mosteiro de santo antonio, ali na carioca. é que eu tinha uns pecados muito muito brabos pra contar, uma penitência enooooorme pra pagar e o padre leão me inspirava temor, ele era o que o nome sugere: um leão bravo. no dia anterior me confessei com ele ( o pe. leão) e conheci um homem calmo, ponderado, bondoso. aí queria ter me confessado com ele que o monge, sim, era bravo e me passou um sabão, ficou chocado com meus pecados. até entendo, era um senhorzinho, tadinho, e, se não me engano, os monges de lá vivem na clausura no convento.
depois veio a onda da renovação carismática, e eu participava.
depois me afastei um pouco porque a igreja que eu gostava de ir é longe e os carismáticos eram de noite, um horror pra voltar.
nesse meio tempo, nasceu minha afilhada e a batizei com muito gosto.
alguns anos depois, minha prima (essa é outra, não é a dos kardecistas não) ficou grávida de novo. a madrinha do nenem seria uma tia do hoje ex-marido que mora em são paulo. eu estava feliz porque minha prima estava feliz, minha afilhada teria um (meio) irmão, e seria uma criança muito bem vinda e amada. ele nasceu numa terça-feira com alguns problemas, u.t.i. neo-natal. e morreu na sexta. não vou entrar no mérito que o pré-natal não foi rigoroso como poderia ter sido, nem que o nenem morreu de infecção hospitalar porque isso não importava mais. ele estava morto. meu último ato de fé foi batizá-lo já morto. foi o que fiz de mais difícil na vida, o que mais me doeu. não consigo imaginar a dor da minha prima, simplesmente não consigo porque batizar meu afilhado me estraçalhou por dentro; se ele fosse meu filho não teria me doído nem um milímetro a mais ou a menos.
depois do impacto da dor veio a revolta. revolta com deus. uma revolta enorme, sem tamanho, achei que nunca iria passar.
se no início eu tinha raiva, com o passar do tempo começou a diminuir e foi se tornando indiferença. não me importava mais se deus existia ou não, se ele gostava de mim ou não, se se importava ou não. eu não me importava mais com ele, modos que isso me bastava.
ou não. porque ficou um vácuo no peito, sabe?
mas eu não procurava deus, procurava paz. e encontrei essa paz no budismo exatamente porque não há essa idéia de deus. e não se precisa largar suas próprias crenças para abraçar o budismo, praticar, seguir sua bela e profunda filosofia. sempre alternei períodos em que ia com freqüência ao templo e períodos enormes que ficava sem ir por motivos variados: fica a 64 km de distância daqui de casa -- para ir. o que não é um problema grande, quando quero vou mesmo. mas tenho que passar pela linha amarela. pra ir até tudo mais ou menos bem. mas voltar de noite, sozinha, em carro sem película nos vidoros me dava calafrios. e depois, durante um tempo meus finais de semana eram quase todos em são paulo. aí o namoro acabou e de quando em quando voltava no templo, sentia aquela paz e aconchego lá e nas práticas.
e as práticas são fundamentais pra me dar equilíbrio, serenidade, paz e força pra encarar a semana e a vida.
voltei a freqüentar com mais freqüência e resolvi tomar refúgio nas três jóias.
está marcado pra amanhã de manhã.
depois que a data foi marcada fiquei muito feliz, e pensei nessas coisas todas. pensei nesse deus de quase todo mundo também que, como tudo, é um apendizado. porque aprendemos a conhecer assim ou assado, isso ou aquilo. mas como diz meu astólogo, deus é um sabor. e um sabor á algo que não se explica. você pode dizer que algo é doce como açúcar, mas isso pressupõe o conhecimento pessoal e intrasferível do gosto do açúcar. uma pessoa pode exlicar à outra como é o gosto mas não dá pra sentir o gosto assim. e não me lembro de já ter sentido esse sabor de deus ou o sabor desse deus nunca. não o sabor desse deus único. já senti alguns... hã... cheiros, por assim dizer, porque tenho alguma sensibilidade e, principalmente, sonho muitíssimo.
e a tomada de refúgio está marcada para amanhã.
e eu não vou.
esse post imenso que ninguém vai ler, que ninguém lê nada desse tamanho jumbo em um blog, é pra mim. são os meus motivos, as minhas razões mais profundas. porque não é uma irresponsabilidade não ir. é uma irresponsabilidade ir e me propor a abraçar o que ainda tenho dúvidas. porque tem aquele batuque da minha alma. tem aquele ritmo, aquela ginga, aquela afro-brasilidade que me comove e que me toca lá no fundo. com o grupo de estudos passei a olhar as religiões de outra forma e sem ter pretensões de me encontrar ou encontrar o que quer que seja. mas não quero que se repita minha irregular e frustante trajetória com deus e com a igreja. quando abraçar algo quero que seja de verdade, com certeza, muito firme do que estou fazendo pra não abandonar depois. seria leviano fazer isso. e frustrante de novo. é como um namoro, ótimo. um período de (auto)conhecimento, aprendizagem, encantamento. mas casamento, ah, um casamento é um compromisso sério, deve ser algo pensado e não impulsivo. não posso tomar refúgio e me dizer budista sem convicção.
a convicção que tenho é que me faz muito bem, me sinto muito bem. mas não é o suficiente pra dizer é isso.
e foi o batuque que me balançou e me fez respirar fundo e dar um passo atrás.